sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Dos hits aos nichos

Por Rogério Fernandes Lemes
Editor-Chefe da Criticartes
Imagem: trajetodigital.com.br
Se possível fosse um olhar atento para o passado da humanidade, com o auxílio de potente binóculo, perceberíamos claros movimentos sociais de comportamentos, na sua maioria, estruturados pela solidariedade recíproca, ou seja, cooperação dos Homo sapiens para a manutenção do grupo. A revolução agrícola foi um evento mosaico, ao dividir o antes e o depois da história humana.
Essa solidariedade orgânica conforme Durkhein foi identificada, por antropólogos, no cuidado do genro com a sogra viúva. Um uma caçada ou pescaria, o genro passava primeiramente na casa da sogra e deixa um peixe, um animal de pequeno porte ou mesmo um pedaço de uma grande caça.
Outro fator importante, para a paz entre grupos humanos, é a percepção de todos na comunidade de que as “alianças” evitavam a guerra. Depois de tantas violentas lutas sangrentas, os líderes de um determinado grupo perceberam que a troca de suas mulheres pelas mulheres de outros grupos consolidava a paz. Desta forma estaria resolvido o problema do incesto e da indisposição grupal. Com o passar do tempo veio a Revolução Industrial e, novamente, uma nova configuração social surgiu com seus dilemas. A pouco mais de duzentos anos da Revolução Francesa, os seres humanos metamorfoseiam-se continuamente na arte de reinventar-se.
A presente época chamada de contemporânea, pós-modernidade, modernidade líquida, ou ainda, supermodernidade, reproduzem as mesmas práticas dos antepassados pré-históricos: criar meios para a sobrevivência do bando.
Trazendo para a área do conhecimento do jornalismo, não há como negar e não abordar as novas mídias digitais e as estratégias, minimamente duradouras, responsáveis por toda essa reviravolta.
A teoria da cauda longa, por exemplo, de Chris Anderson foi inicialmente publicada em forma de artigo na revista Wired, em outubro de 2004. Cauda longa, conforme descrição na Wikipédia, “é um termo utilizado na Estatística para identificar distribuições de dados como a curva de Pareto, onde o volume de dados é classificado de forma decrescente. Quando comparada a uma distribuição normal, ou Gaussiana, a cauda longa apresenta uma quantidade muito maior de dados ao longo da cauda”.
Em outras palavras e de acordo com o conteúdo apresentado na disciplina, o faturamento gigante do livre mercado, que antes pautava nos hits mais consumidos, seja na indústria musical, editorial e cinematográfica dentre outras, em nada foi afetado quando comparado ao faturamento segmentado, ou seja, os consumidores continuam adquirindo todo tipo de produto de seus interesses, só que agora em uma espécie de “sumário de preferências”.
Segundo o site internetinnovationo termo long tail ou cauda longa, em português, é uma ferramenta que vem sendo utilizada cada vez mais no mercado online por proporcionar resultados positivos na segmentação de conteúdo. Esse é um recurso econômico da internet representado por um gráfico de curva, por isso o nome cauda longa”.
No jornalismo contemporâneo, as novas tecnologias acompanham esta mesma tendência da teoria cauda longa, ou seja, produzir informações segmentadas para determinado público como é o caso dos sites de notícias policiais por todo o Brasil.
Existem pessoas que não gostam do Twitter, por exemplo, mas que buscam notícias em sites de notícias conforme julgam mais acessíveis. Outras utilizam o Facebook ou qualquer outra mídia conforme sua preferência. 
Uma das possíveis causas para que a teoria da cauda longa tenha sucesso são as tecnologias e ferramentas de gravação e acesso a poderosos bancos de dados. Tudo é armazenado por categorias o que facilita a filtragem dos temas procurados pelos leitores.
O fato é que, o jornalista que estiver atento às demandas digitais terá maior possibilidade de ter suas matérias acessadas, lidas, comentadas e compartilhadas.

REFERÊNCIAS
Entenda o que é a cauda longa e como a segmentação do conteúdo pode melhorar seus resultados. Disponível em: https://www.internetinnovation.com.br/blog/entenda-o-que-e-cauda-longa-e-como-a-segmentacao-do-conteudo-pode-melhorar-seus-resultados/. Acesso em 27 de janeiro de 2017.

ANDERSON, Chris. A teoria da cauda longa. 5ª edição. Rio de Janeiro : Elsevier, 2006.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A vida em um ano letivo

Por Thaize Oliveira
Imagem: infoxp.files.wordpress.com
O mês de fevereiro é marcado pelo início de algumas atividades, as pessoas estão voltando das férias e se preparam para o ano que se seguirá, os impostos chegam, as aulas começam e a rotina vai, aos poucos, se estabelecendo.
Para quem vai à escola é um tempo de planejamento, pois no decorrer do ano serão necessárias atividades de avaliação, provas, estudo e preparo para que os alunos possam ir para a próxima fase.
Na escola da vida não é muito diferente, temos um professor excelente, Jesus, um mestre, que nos instrui através do seu manual muito didático, a Bíblia, nela encontramos as regras para viver e para superar os testes. Realizar as provas nem sempre é fácil, mas elas nos mostrarão se estamos aptos para “passarmos de ano”, para vencê-las é necessário muito preparo, confiança além de prestar atenção no professor.
Nessa escola da vida também existem “disciplinas” que precisamos estudar e praticar para o nosso crescimento, dentre elas, a leitura da Palavra, a soma de coisas boas, a subtração de coisas ruins, a ciência das emoções, a sociologia do amor ao próximo etc. E assim, somos testados diariamente, infelizmente ainda não alcançamos um 10, mas o nosso objetivo continua sendo parecer com o professor, afinal só precisamos da aprovação dele para a nossa recompensa.
Dessa forma, “prossigamos para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.14).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

O livro Verbalizando Sentimentos está disponível


A escritora Feirense Milena Moreira disponibiliza na Livraria SARAIVA o livro Verbalizando Sentimentos publicado em 2015, pelo editor Luciano Becalete.

O livro apresenta o estilo da autora que se inspira na natureza, no ser humano, nas coisas do dia a dia e na religiosidade cristã católica e nos sentimentos do ser humano, principalmente o amor.

Milena M. O. Souza nasceu em Feira de Santana, em 18 de setembro de 1983, graduou-se em Fisioterapia em 2007 e realizou Pós-Graduação em Fisioterapia Neurofuncional em 2009.

Participou de diversas Antologias (O melhor do Poesias Encantadas, Poe´Vera, Palavras do Brasil, Cogito, Meus Contos, Poesias Encantadas VIII como consultora, Poesias encantadas IX e X, Memórias, Mulher Poesia).

Participou do prêmio Talento Poético, em 2015 e 2016. Foi premiada com o terceiro lugar do 1º Concurso de Poesia de feira de Santana. “O amor pela literatura sempre esteve presente na minha vida, seja em prosa ou poesia” afirma Milena.

Livro Verbalizando Sentimentos
Onde encontrar: Livraria SARAIVA
Situação: Disponível
Valor: 30,00 (trinta reais)
Contato com a Autora: milemoreira@hotmail.com

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Clayton Silva e seu estilo Figurativo Moderno

Por Zita Ferreira Braga - Diário de Notícias - Lisboa, Portugal

“minhas telas todas são óleo sobre tela texturizada”

Personagens enigmáticos, muitas vezes cômicos, evocam as cortes reais do passado com um toque contemporâneo. Através da visão única do artista Clayton Silva, as pinturas expressam histórias fantásticas de um aparente futuro medieval. Vestuários e ambientes suntuosos transportam o observador a este universo inquietante, recheado de mistério e extravagância. Todos os elementos completam-se, juntos criam um ‘lugar’ e a realidade é transfigurada.
Na contemporaneidade do trabalho de Clayton Silva destacam-se elementos circenses através da figura do palhaço, o bobo da corte, uma figura frequentemente subversiva e transgressora de regras e padrões preestabelecidos. As expressões dos palhaços medievais de Clayton Silva fazem o observador pensar; reforçam a mensagem do artista sobre a sua percepção e interpretação da vida.
As expressões faciais de seus personagens estão em constante mudança durante a comunicação com o observador, deturpam a verdade, examinando-as profundamente revelam um número ilimitado de emoções. As narrativas cuidadosamente concebidas servem para tornar a condição humana transparente.
Nessa futura Idade Média, o artista goza de total liberdade, brinca com a ilusão do real dentro de um universo ficcional. Clayton Silva nasceu em 20 de novembro de 1973 em Jundiaí, Brasil. Com Mais de 40 exposições no currículo sendo que três delas internacionais. Lisboa, Buenos Aires e Moscou. Obras vendidas a colecionadores de Portugal, Espanha, França, Holanda, Alemanha, Argentina, Rússia, Estados Unidos e Canada.

Projeto "As riquezas do meu lar"

Aprendendo com as “lentes da alma”

O projeto “AS RIQUEZAS DO MEU LAR” foi desenvolvido na aldeia indígena de Panambizinho no Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Pelas professoras Bianca Marafiga e Rosane Costa. Seu maior objetivo é o de proporcionar momentos únicos, a partir de diferentes ângulos e perspectivas sobre as riquezas presente no cotidiano e nos lares dos alunos ameríndios.
Riquezas estas repletas de elementos sociais, ambientais e culturais. Nas áreas indígenas esta importância reforça-se, considerando-se a forte relação que esses povos, especialmente os Guarani-Kaiowá, possuem com a terra e com a natureza. Há uma importância dualista entre espaço físico e espaço das relações socioculturais e cosmológicas denominada por esse povo como tekohá. (PEREIRA, 2004).
O projeto proporcionou aos estudantes momentos de registros de seus lares, onde eles próprios definiram seus conceitos de riquezas contidas em seus espaços diários. Um desafio inspirador. Com uma máquina fotográfica ou celulares com câmaras em suas mãos, com a total liberdade de registrar o que viram e sentiram, suas fotos são surpreendentes.
As imagens participantes no concurso foram utilizadas pelos professores no desenvolvimento de atividades dentro do planejamento nas mais diversas áreas, contribuindo para uma dinamização do ensino e aprendizagem dos conteúdos e da vida. Possibilitou aos alunos produzirem mais que uma foto, mas obras de arte inseridas diante de suas realidades.
Para a professora Bianca Marafiga, uma das coordenadoras do Projeto, a introdução da fotografia como material didático e metodológico foi fundamental para o aprendizado nos anos iniciais do Ensino Fundamental. “A utilização deste recurso proporcionou uma atividade com maior senso crítico sobre a realidade que os envolvem. O uso da linguagem fotográfica nas escolas é uma grande ferramenta de auxílio na aprendizagem dos alunos de diferentes anos e programas, contribuindo para o desenvolvimento da cultura visual” avaliou.

A Mário Carabajal

Joabnascimento
Camocim, CE, Brasil
@: joaobnascimento55@gmail.com

No ano de cinquenta e oito
Oriundo de um amado coito
Nascia esse fruto de inteligência
Proveniente de um amor igual a dropes
Olegário e Manuela Cacilda Lopes
Vinha ao mundo esse ser de pura inocência.

Surgido nos Pampas gaúchos
Sem muito conforto e nem luxo
De uma matéria sem igual
Para iluminar a ciência
Com seus ideais e sapiência
Deus nos envia Mário Carabajal.

Desde criança tinha o dom
De artista já trazia o tom
Das notas certeiras musicais
Aos quatro anos de idade
Parecendo já ter maioridade
Já vislumbrava os seus ideais.

Nos gramados desfilava afinal
Entre Grêmio e Internacional
Deu os seus primeiros pontapés
Ganhando alguns campeonatos
Já era um artista nato
Esse nobre gaúcho de Bagé.

Assistiu de pé na sacada
Em frente da sua morada
O forte Golpe Militar
Soldados entrincheirados
Com armas bem preparados
Dispostos a lutar.

No ano em que a lua foi visitada
A esfera lunar conquistada
Seu pai Deus o levou
Na Escola Dom Bosco
Num ato um tanto tosco
Sua mãe o internou.

No ano de setenta e três
Chegava a sua vez
Assim veio a trabalhar
No grupo de Paulo Pimentel
Desenvolveu um grande papel
Ao poder secretariar.

Nas indústrias Parmazon
Ele também deu o tom
Atuou como secretário
Com bastante determinação
Luta e organização
Ganhando seus honorários.

Acompanhou Carlos Carabajal
Baterista e empresário musical
Tocando o seu bangô
“The Brazilian Band Supreemes”
Foi a hélice do seu leme
Pelo o Brasil viajou.

Depois da vida de artista
Fez exame na Brigada Paraquedista
Na cidade do Rio de Janeiro
Ao Exército bem serviu
Depois tranquilo desistiu
Apesar de passar no lugar primeiro.

Conheceu a pobreza e a riqueza
No Bairro de Santa Tereza
E na Favela da Rocinha
Desistiu da carreira militar
Por não poder concordar
Com algumas picuinhas.

Depois de ser bancário
Gerente intermediário
Com os irmãos associou
Empresa de publicidade
Central de cobrança na cidade
Para Roraima imigrou.

Ao se formar ingressou
Na função de professor
Como funcionário federal
Imóveis e contabilidade
Exercendo essas habilidades
Trabalhou também afinal.

Defensor da sua cultura
Fomentou com bravura
A criação de um CTG
Com chula, malambo e poesia.
Danças gaúchas ele cria
A invernada gaúcha faz crescer.

Licenciado em Educação Física
Especializa-se em Pesquisa Científica
Mas consegue num breve dia
Com tese no seu doutorado
Pela Dra. Kátia foi bem orientado
Doutorando em cinesiologia.

Forma-se em Psicanálise Clínica
Aperfeiçoa sua técnica
Concluindo o seu mestrado
Psicomaturação da Consciência Humana
Tese que logo emana
Para seu pós-doutorado.

Tentou ser deputado
Mas Deus compenetrado
Não permitiu tal fato
A ele deu outras missões
Importantes decisões
Na vida deste artista nato.

Após exercer cargos importantes
Mário não se cansou um instante
Em criar as academias escolares
Fundou a Academia Roraimense de Letras
Com sabedoria ele penetra
Na edição de seus vários exemplares.

Academia de Letras do Brasil
Fundada de forma viril
Por esse grande imortal
Com secção na Suíça
Hoje é fonte de cobiça
No âmbito intelectual.

Autor de inúmeros livros
Esse imortal, ainda vivo.
Mantém uma luta constante
Contra a corrupção e a fome
A injustiça que nos consome
A liberdade de imprensa falante.

Pai de Emannuely e Karine
Esse ser ainda exprime
Seu amor familiar
Ao lado da Doutora Dinalva
Seu amor que o acalma
Toda hora a lhe amar.

Oferto esse humilde cordel
Ao nobre menestrel
Grande Mestre Imortal
Com palavras simples explico
Sua vida em versos dedico
Ao ilustre Mário Carabajal.

Polaroide

Danielle Andrade
Itabaiana, SE, Brasil
@: dani-andrade-se@hotmail.com

Que coisa boa é a fotografia! Não me refiro às fotos de hoje em dia, que são digitais, raramente impressas. Gosto mesmo é daquelas fotos impressas em papel, fotos palpáveis.  Aquelas que são reveladas. Acho que realmente elas revelam algo! Aquelas fotos de quando era criança, que são guardadas na casa de parentes. 
Quando era criança, uma das minhas tias tinha uma polaroide. Essa máquina era, para nós, um evento. Apenas ela, minha tia, a tinha. Pensem na alegria que sentíamos quando ela vinha nos visitar no interior, trazendo consigo a polaroide; minha tia não saia sem ela. Tia Vera adora fotos! 
Lembro-me, com saudade e alegria, de certo dia, devia ter uns cinco, seis anos, minha tia veio à casa da minha avó que, como toda casa de avó, vivia repleta de netos, uma neta era fixa, os outros passageiros, uns demoravam mais, outros nem tanto. Nesse dia, que me recordo, ela trouxe consigo sua polaroide; para nós, era uma grande novidade. A foto saia na hora! Uma foto pequenininha! Uma belezura para a imaginação da criançada. Vejam só que moderno! 
Como toda família, tiravam fotos das crianças para recordar e acompanhar o crescimento delas. Nesse dia, já era meio da tarde, Tia Vera já estava pronta para ir embora para a capital, quando sugeriu a foto! Estávamos todos desarrumados; crianças que tinham brincado o dia inteiro. Mas não podíamos deixar de tirar a foto! 
Na polaroide!! Minha tia mandou que ficássemos em frente à casa de minha avó. Posicionamo-nos em frente à parede da casa, já íamos a foto, quando minha prima (mais velha que eu) percebeu meus cabelos desarrumados, desgrenhados de criança traquina que era! Ela teve a brilhante ideia de colocar em meu cabelo uma flor artificial (moda da época; colocou a bendita flor em minha cabeça, segundo ela, para arrumar; eu adorei a ideia, minha prima era uma gênia, e muito querida também. Aquele momento foi eternizado ali, naquela simples imagem emitida pela maquinazinha tão legal). 
As fotos têm esse poder, o de capturar o momento e eternizá-lo. Ainda temos essa foto; cerca de quatro a cinco crianças encostadas a uma parede com a pintura decadente, um portãozinho aberto, uma adolescente e uma criancinha negra com olhar desconfiado e vívido, com os cabelos para cima, um emaranhado de cabelo e uma rosa vermelha no meio. Meus primos e irmãos riem quando veem a foto. E ficou realmente hilária! É, sem dúvida, das fotos que mais gosto. E aquele momento é vivo até hoje.

Bazófias de um cantador pai dégua o maior cordel do mundo

Beto Brito
Rabequeiro, cordelista, cantor e compositor brasileiro
João Pessoa, PB, Brasil
@: betobritobb@terra.com.br

Mangaio, feira e artista
O céu bonito e azul
Cantiga de grilo e peru
Violeiro repentista
Calça e camisa de lista
Um tirador de reisado
Um sanfoneiro arretado
Um moleque vendedor
Açude com sangrador
Um velho todo enxerido
Eita Nordeste querido
Nordeste dos meus amor

Um be-a-bá soletrado
Um pé de mandacaru
Torresmo, cana e umbu
Currulepo pro roçado
Cavalo e boi amarrado
Cumbuca e pé de coentro
A mãe chamando pra dentro
A menina que chorou
Passarim que se assustou
Por causa dum estampido
Eita Nordeste querido
Nordeste dos meus amor

Um cego pedindo esmola
Histórias de Lampião
Conversa em pé de balcão
Gonzaga na radiola
Tareco e pão, mariola
Sassarico de galinha
Parede-meia, vizinha
Riachinho que secou
O vestido que voou
Num redemunho atrevido
Eita Nordeste querido
Nordeste dos meus amor

As estradinhas de barro
Fumaça na chaminé
O tô fraco do guiné
Papel de enrolar cigarro
Buchuda, corda e carro
O azuzim das montanhas
O cheirinho das castanhas
Lorotas de caçador
Matuto assobiador
Um besta e oito sabido
Eita Nordeste querido
Nordeste dos meus amor

Água dormida de pote
A pedra de amolar
Caçarola e alguidar
Um aconchego no xote
Cheiro no pé do cangote
Um chamego nas menina
Corriola na esquina
Catavento girador
Dois vestidos furta-cor
Um curto e outro comprido
Eita Nordeste querido
Nordeste dos meus amor

Mulher bonita tem dono!
Santana já me dizia
Viola na cantoria
Cachorro no abandono
Um gatim morto de sono
No balcão de uma bodega
Seresta, forró e brega
Fuzarca de opositor
Um bebo declamador
Lembrando um verso esquecido
Eita Nordeste querido
Nordeste dos meus amor

Um braseiro de abano
Carne seca pendurada
No inverno a passarada
Um cantador soberano
Um jogador veterano
Viciado na sinuca
Galho de espantar mutuca
Burrinha, bode e trator
Mandioca e ralador
Um panelão de cozido
Eita Nordeste Querido
Nordeste dos meus amor

Vaqueiro jogando laço
Chocalho, bezerro manso
Rio cheio com remanso
Tardezinha no terraço
Caldo de cana, melaço
Querosene no bornal
Novena, pelo-sinal
Reza pra Nosso Senhor
Rede armada e cobertor
O meu lugar preferido
Eita Nordeste Querido
Nordeste dos meus amor

Biografia de Aral Moreira, por Luiz Alfredo Marques Magalhães: A importância do registro da história dos moradores da região, para preservação de sua cultura

Simone Possas Fontana
Campo Grande, MS, Brasil
@: simonepossasfontana1@gmail.com

RESUMO
O presente trabalho pretende efetuar a abordagem de uma das bases da literatura que é o registro histórico de uma sociedade, através da biografia. Conforme se depreende através da leitura, análise e estudo metódico do livro “Um Homem de Seu Tempo: Uma Biografia de Aral Moreira”, o assentamento histórico executado pelo pesquisador, fotógrafo, biógrafo e escritor Luiz Alfredo Marques Magalhães, ganhou substrato não apenas como base da literatura como era inicialmente esperado, mas também com um objetivo a ser alcançado e assim, mantido, de mostrar a importância de uma biografia para a identidade de um povo. Atualmente não mais se compreende a biografia apenas como uma base histórica, mas sim como um valor superior que deve ser considerado para aplicação e uso da literatura como instrumento de entretenimento, educação, instrução e aumento da intelectualidade. Pretende-se assim com a elaboração desse trabalho a compreensão da importância e do valor de uma biografia para a sociedade, bem como a distinção da utilização da mesma no campo da individualidade (leitura da biografia) e da coletividade (importância da identidade do povo da fronteira), com foco na literatura como um todo.
Palavras-chave: Biografia. Registro histórico. Cultura.

ABSTRACT
The present work intends to make the approach of one of the foundations of literature is the historical record of a society through the biography. As it can be seen by reading, analysis and methodical study of the book "a man of his time: a biography of Aral Moreira", the historic settlement run by researcher, photographer, biographer and writer Luiz Alfredo Marques Magalhães, earned not only as the basis of substrate literature as was initially expected, but also with a goal to be achieved and thus kept, to show the importance of a biography for the identity of a people. Currently, it is no longer understood the biography only as a historical basis, but rather as a superior value that should be considered for application and use of literature as a means of entertainment, education, instruction and increasing  of  intellectuality. It is intended with the preparation of this work the understanding of the importance and value of a biography for the society, as well as the use of the same distinction in the field of individuality (read biography) and collective (importance of the identity of the people of the frontier), with a focus on literature as a whole.
Key words: Biography. Historical record. Culture.

INTRODUÇÃO
Busca-se, com a elaboração deste trabalho, mostrar a importância e pertinência acadêmica e social de preservar a cultura de um povo, através do seu registro em livro. Essa é a ideia básica. A coleta de informações e o foco desta pesquisa estão delimitados no livro: “UM HOMEM DE SEU TEMPO – UMA BIOGRAFIA DE ARAL MOREIRA”, escrito por Luiz Alfredo Marques Magalhães. No contexto geral, o escritor descreve o cenário sociopolítico da região de fronteira entre o Brasil e Paraguai, mais especificamente entre as cidades de Ponta Porã-MS, no Brasil, e a cidade paraguaia Pedro Juan Caballero-PY.
Através de textos, documentos e fotografias da época apresentados em sua forma original, sobretudo cartas e manuscritos, todos transcritos literalmente para não interferir na realidade, assim como através de conversas, muitas histórias, lembranças do passado e relatos de Eraldo Moreira (filho de Aral Moreira), o autor mostra o processo de colonização do Estado de Mato Grosso do Sul por volta do século 18.
Quais as razões para analisarmos a importância da preservação da cultura de uma comunidade e quais as consequências que porventura surgirão com seu desprezo? Não há dúvida acerca da relevância do tema. Para essa compreensão facilmente se percebe que inúmeros escritores pretendem dizimar a ignorância, buscando garantir a perenidade e integridade de um povo, conhecendo seus personagens principais, seus problemas econômicos, sociais e políticos.
A escolha deste tema se deve ao fato da forte e vigorosa preocupação da falta de registros históricos para preservação da cultura, mas esse temor é minimizado com a leitura do referido livro, onde fica evidente e indiscutível, o relato perfeito da história, sem omissões e lacunas, através da transcrição de episódios, eventos, fatos e informações ocorridos com seres atuantes na história de Ponta Porã-MS.
PRESERVANDO A CULTURA
Um conjunto de folhas de papel, impressas, encadernadas ou em brochura, organizadas em páginas, que servem de instrução, formam um livro e um conjunto desses livros, possuídos por um particular ou destinados à leitura pública constituem uma biblioteca. A literatura é o conjunto dessas obras literárias de um país ou de uma época, formada por escritos narrativos, históricos, críticos, de eloquência, de fantasia, de poesia, etc. 
A literatura é o meio utilizado para conservar, aumentar e utilizar a cultura. A cultura é a arte e o modo de cultivar a instrução, o saber, o estudo ou um trabalho intelectual, com apuro, perfeição e cuidado.
Preserva a cultura, o escritor Luiz Alfredo Marques Magalhães, ao contar a vida de Aral Moreira, em sua biografia, narrando o comportamento, exaltando os feitos e os importantes personagens que marcaram a vida e as tradições da região de fronteira com o Paraguai, mais especificamente da cidade de Ponta Porã-MS, pós-guerra, enfocando os costumes, assim como o grande valor histórico na configuração do Estado de Mato Grosso, posteriormente, Mato Grosso do Sul.

A ECONOMIA DA FRONTEIRA
O país fronteiriço – Paraguai, antes da guerra, estava gerando condições básicas para a modernização do país, criando indústrias, abrindo estradas, além de lançar as bases do ensino superior. A economia da época foi assim descrita no livro Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai (CHIAVENATO, 1988, p.31):
[...] O Paraguai está numa ebulição de progresso. A produção aumenta (...) fumo, erva-mate, algodão, arroz, cana-de-açúcar e mandioca são abundantemente colhidos. (...) chega-se a colher a surpreendente soma de sete milhões de quilos de fumo; obtém dois milhões e meio de quilos de erva-mate e há um significativo rebanho de sete milhões de cabeças de gado bovino [...].
Já o escritor Romildo Villanueva (2000, p. 150), no livro O Inferno Existe; Eu Estive Nele, descreve sobre a agricultura da região de fronteira:
[...] A reforma agrária feita constitui basicamente na abertura de fronteiras para que, através de colonizadores, se produzisse a entrada de agricultores estrangeiros no Paraguai. (...) 350 mil brasileiros ingressaram no Paraguai, principalmente gaúchos, e mais de 50 mil de outras nacionalidades. (...) ficaram conhecidos como ‘brasiguaios’ ao longo da faixa fronteiriça. (...) triplicaram a produção de soja e algodão que representava 60% da economia paraguaia [...].
No livro Semblanza de La Antigua Punta Porã, Villanueva (2001, p. 49), nos relata que o desenvolvimento da região fronteiriça aconteceu no período do pós-guerra contra a Tríplice Aliança – 1865/1870, em função da exploração, produção e comercialização em larga escala da erva-mate. Passado o ciclo de ouro da erva-mate (1878), a fronteira sofreu uma brusca transformação: o cultivo do café em grande quantidade.


A ORIGEM
É esse cenário pós-guerra que é encontrado pelas famílias Trindade e Moreira ao se estabelecerem na fronteira, vindos do Rio Grande do Sul. Essa fronteira seca vive na harmonia entre as cidades de Ponta Porã-MS, no Brasil, e a cidade paraguaia Pedro Juan Caballero-PY, formada apenas por uma avenida, onde estão estabelecidos comerciantes em lojas de cosméticos, eletrônicos, calçados, roupas, tecidos, óculos, relógios, etc.
Luiz Alfredo Marques Magalhães conta-nos a origem das famílias Trindade e Moreira, e o início do sucesso do patriarca – Antonio Ignacio da Trindade – como empreendedor, pois recebeu terras do governo, optou por explorar a erva-mate, aconselhado por Thomaz Laranjeira, um gaúcho que escreveu seu nome na história por liderar essa exploração na fronteira. Logo após casar-se, Trindade foi viver em Ponta Porã-MS, cidade que se desenvolvera rapidamente com o comércio ervateiro.
A economia política que trata da produção, distribuição e consumo das riquezas da região, ainda não havia se preocupado com boas rodovias e é assim que Magalhães (2011, p. 29), descreve:
[...] Embora muitos pensem que Aral Moreira tenha sido um pontaporanense da gema, ele na verdade nasceu na Fazenda Boritizal, em Aquidauana (...) 20 de agosto de 1898, onde fez o curso primário (...) foi enviado para fazer o ginasial e faculdade de Direito no Rio de Janeiro. Chegar ao Rio naquele tempo não era uma tarefa fácil nem rápida. Aral partia de Ponta Porã no lombo de cavalo por mais de 200 quilômetros para chegar a Concepción-PY onde tomava um vapor até Montevideo e um navio de cabotagem até o Rio de Janeiro [...].
O livro “Um Homem de Seu Tempo”, objeto do presente estudo, nos traz vários assuntos que faz progredir nosso conhecimento adquirido, preservando a cultura, através de registros históricos dos costumes dos personagens da região fronteiriça entre os anos de 1900 e 1952. Magalhães (2011, p. 13 a 30) relata, desde 1826, através de textos e fotografias coloridas e em preto e branco, a saga das famílias pioneiras que deram origem ao biografado Aral Moreira: Trindade & Moreira. A família TRINDADE, com sua série de grandes acontecimentos na viagem épica desde o Estado do Rio Grande do Sul até chegarem a “terra prometida”: Mato Grosso do Sul e a família MOREIRA originária de Bouça, em Portugal, vindo para a América passando por Uruguai, Corumbá e finalmente Aquidauana-MS.
O PARAGUAI
A presente pesquisa documental foi desenvolvida e teve como fonte de investigação o livro “Um Homem de Seu Tempo”, de Luiz Alfredo Marques Magalhães, seus relatos históricos com um ponto de vista através de um tratamento sociológico, estudando os fatos sociais da época na região de fronteira. A fim de atingir um grupo de pessoas específico como professores, estudantes, jornalistas, historiadores, escritores ou amantes da literatura, foi escolhido e delimitado o tema, estabelecendo limites e informando o foco do presente estudo.
Vários autores escreveram sob a região da fronteira entre Brasil e Paraguai, suas lutas, seus problemas e qualidades, mas o livro ora estudado, com a biografia do ilustre Aral Moreira, é único, não passou antes por um exame minucioso em cada uma de suas partes; não ocorreu a separação de seus componentes, enfim, não teve um tratamento analítico e o que pode ser afirmado com convicção é: contando a vida de Aral Moreira, conta-se a vida da cidade fronteiriça de Ponta Porã-MS.
Ao chegar à fronteira, a família ancestral de Aral Moreira, encontrou uma Ponta Porã que estava se reerguendo. O Paraguai, antes da guerra, estava numa súbita manifestação de desenvolvimento, contando até com estaleiro e esses navios produzidos ali, partiam da capital Assunção para a Europa, carregados de erva-mate, fumo e alguns outros produtos, para voltarem com aparelhos científicos, armas mais sofisticadas, máquinas de imprensa e produtos químicos. Esse progresso foi assim contado no livro Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai (CHIAVENATO, 1988, p.32 e 33):
[...] Comparando-se a explosão nacional de progresso do Paraguai com a dependência total da quase inexistente indústria brasileira e argentina, é evidente que o Paraguai para a civilização inglesa era um perigo. (...) na metade do século XIX exporta madeira, produz louça fina, constrói ferrovias, exporta salitre, ergue fábricas de pólvora, papel e enxofre. Instala-se o telégrafo [...] implementos agrícolas são fabricados na fundição Ibycuí dando melhores condições de trabalho ao camponês paraguaio aumentando sua produtividade [...].
Além da famosa guerra que durou de 1863/1870, o Paraguai também sofreu conflitos internos, com movimentos revolucionários. Um desses grupos, após ser destroçado pelo exército paraguaio iniciou uma extenuante jornada pela cerrada floresta em direção à linha fronteiriça com o Brasil com a finalidade de requerer asilo político, como assim descreve o escritor Romildo Villanueva (2000, p. 129, 130), no livro “O Inferno Existe; Eu Estive Nele”:
[...] Alimentando-se de frutas silvestres e de alguns animais que conseguiram furtivamente caçar, os rebeldes fugitivos empregaram exatos 30 dias para atingir o objetivo. Geralmente a marcha era feita a noite com o intuito de iludir a constante vigilância aérea de um pequeno bimotor com bandeira paraguaia e equipado com metralhadoras que os perseguiu durante todo o trajeto de aproximadamente 300 quilômetros em linha reta. (...) o ingresso dos fugitivos em território brasileiro deu-se a uns 8 quilômetros a sudoeste do povoado [...] antes, porém, os fugitivos tomaram a preocupação de se livrar das armas de uso militar que portavam até aquele momento. Embrulhadas com pedaços de cobertores, estas foram escondidas num mato, dissimuladas convenientemente entre a folhagem [...].
Em respeito às almas das pessoas que morreram nesse fato cruento, até hoje lembrado por paraguaios e brasileiros que habitam essa região da fronteira, em meio a um terreno com um alto capim, foi fixada uma erma e tosca cruz de ipê, que resiste a ação do tempo. Com a intenção de preservar a história, relata Villanueva (2001, 143):
[...] uma iniciativa nascida no seio da sociedade pedrojuanina visa reparar esse dano histórico ocasionado pela passada ditadura, possibilitando a exumação dos restos ósseos que, provavelmente, ainda existam no improvisado cemitério [...] e, posteriormente, dar-lhes cristã sepultura em solo guarani (...) Para tanto, uma comissão multisetorial de ação cidadã que está sendo formada em Pedro Juan Caballero irá solicitar a intervenção da Comissão de Direitos Humanos [...].
É esse cenário pós-guerra que é encontrado pelas famílias Trindade e Moreira ao chegarem a Ponta Porã-MS.

A LINHA DIVISÓRIA: PEDRO JUAN
 CABALLERO-PY E PONTA PORÃ-BR
No livro “Semblanza de La Antigua Punta Porã”, Villanueva (2001, p. 52), nos conta que a grande contribuição para o aumento do progresso em Pedro Juan Caballero-PY (fronteira com Ponta Porã-BR) foi o ciclo da erva-mate, transformando aquela que era uma simples paragem em um ativo centro comercial. Era forte o monopólio da empresa Mate Laranjeira Mendes & Cia., em tudo que se relacionava com a produção, transporte e comercialização do produto cujo principal mercado foi, por muitos anos, a Argentina e o Uruguai. Os carregamentos se utilizavam de caravanas de carretas de bois, partindo da empresa Mate Laranjeira. Aí existia um enorme depósito no qual eram armazenadas as bolsas com a erva-mate antes do transporte final até o porto de Concepcion-PY através de penosas marchas com mais de 200 quilômetros, em viagens que demandavam cerca de dois meses entre ir e voltar.
Essa aprazível linha divisória teve sua posse inicial definida basicamente por pessoas vindas do Rio Grande do Sul que encontraram um lugarejo em formação, habitado por poucos agentes fazendários, guarda militar estadual e alguns paraguaios fronteiriços. Aos poucos foram chegando imigrantes uruguaios, argentinos, sírios, libaneses, espanhóis e italianos. A maior parte se dedicou a negociar gêneros de primeira necessidade para atender a procura dos fazendeiros, negociantes da erva-mate, funcionários públicos e militares, fomentando a movimentação do dinheiro, fazendo desenvolver o povoado, transformando-o na cidade de Ponta Porã. Essa cidade, na década de 1920, achava-se provida com o que de melhor havia no vestir, beber e comer dada a extraordinária simplicidade que sempre existiu na introdução de produtos estrangeiros.
Magalhães (2011, p.86) diz que bons carpinteiros e construtores ajudaram a erguer sólidas residências e armazéns, seguindo a linha arquitetônica neo-clássica imperante na época, uma influência dos imigrantes europeus, visível também em localidades vizinhas a Ponta Porã como Concepción no Paraguai e Aquidauana, Nioaque e Porto Murtinho, no Brasil. Magalhães, às folhas 87 a 97, mostra um apanhado das construções, seus moradores e documentos, em fotografias da primeira metade do século XX, a época em que Aral Moreira viveu: praça que era um palco ao ar livre onde ocorriam os eventos importantes da fronteira como desfiles cívicos e comícios políticos; igrejas; quartel do Corpo Militar de Polícia – obra da Companhia Mate Laranjeira; vala cavada em toda a extensão da linha divisória para impedir a passagem de veículos, pois cruzar a fronteira só era permitido em lugares pré-determinados em 1926; vista aérea da linha da fronteira em 1945; prédio da Pharmacia Estrella – pertencente à família de Aral Moreira inaugurada em 1926; prédio da Camisaria Royal (1927); quartel do 11º Regimento de Cavalaria (1924); Cine Brasil dividido em plateia e frisa (camarote térreo) e cadeiras superiores, tudo em madeira, inaugurado em 1935; Hotel Brasil e prédios residenciais da época.

ARAL MOREIRA:
UM HOMEM MÚLTIPLO DE AÇÕES
Em 1918 Ponta Porã ganhou seu primeiro clube social literário e recreativo com o nome de Grêmio Luz e Recreio. Magalhães (2011, p. 98) conta-nos que no Grêmio havia uma varanda em toda a extensão da entrada; no salão, piso de madeira – com longas, planas e lisas tábuas de ipê – mais de uma geração dançou ao som de bandas que iam de Assunção-PY e Campo Grande-MS, nos bailes tradicionais ou em animados carnavais. Em dias de semana, era lá que a juventude costumava passar algumas horas da noite ouvindo música de vitrola, enquanto bebiam uma Antarctica Original no bar (MAGALHÃES, 2011, p. 98):
[...] Nos fundos havia uma quadra de esportes, onde se jogava vôlei e basquete; em determinada época o tênis teve a sua vez (...) Aral fez parte das primeiras diretorias do Grêmio, sendo sócio e benemérito até o fim da vida. Em 1948 interrompeu sua participação: numa atitude irredutível, saiu em defesa de um sócio, que morava ao lado do clube (...) vem à tona algumas das evidências que reafirmam uma personalidade leal e democrática. (...) Aral Moreira saiu fortalecido do episódio (...) eram atos dessa natureza que conduziam um homem ao topo de uma carreira de sucesso [...].
O filho ilustre (por adoção) de Ponta Porã, Aral Moreira, possuía as qualidades de inteligente, erudito e estudioso e esteve sempre acompanhado por grandes figuras, personagens importantes que aparecem como destaque na sociedade brasileira (MAGALHÃES, 2011, p. 33):
[...] O futuro deputado ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1917. Lá conheceu Afonso Arynos de Mello Franco, um notável homem público brasileiro; quis o destino que o reencontrasse trinta anos depois, já na Câmara Federal do Palácio Tiradentes, ambos tomando parte da mesma bancada partidária [...].
Magalhães (2011, p. 37) descreve a convivência de Aral Moreira com mestres e intelectuais no Rio de Janeiro, que era a capital reconhecida como berço do conhecimento nacional. Isso estimulou o gosto pela leitura, pois era um insaciável leitor de jornais, cujos textos ele recortava e arquivava para posterior discussão ou releitura. Nos recortes encontrados estavam misturados temas de filosofia grega e poesia com informações sobre agricultura, descobertas médicas e avanços tecnológicos. E prossegue informando-nos sobre seu conhecimento científico e literário, que o marcou com um perfil de advogado correto, justo e ético (MAGALHÃES, 2011, p. 39):
[...] Admirava Machado de Assis e Julio Verne, leituras paralelas às obras de mestres do direito como Clovis Bevilacqua e Ruy Barbosa (...) Ao completar com louvor a faculdade, Aral já levava articuladas na mente as ideias que o fariam tomar cedo nas mãos as rédeas de seu próprio destino. Abriu imediatamente seu escritório e, com a marcante característica de sempre escrever suas petições em caligrafia de chamar a atenção, tornou-se rapidamente um dos mais conceituados advogados do sul de Mato Grosso [...].
Ao retornar para Ponta Porã, abriu seu escritório jurídico e envolveu-se em todas as questões sociais que considerava relevantes para a cidade. Em 1926 casou-se com Erotilde Saldanha e tiveram um único filho: Eraldo. Participou de clubes, obras assistenciais, associações comerciais e industriais; foi delegado, promotor público, prefeito substituto e representante de classe; consultor jurídico do estado, jornalista, comerciante, ervateiro e pecuarista e essa multiplicidade de ações o levou à política. Até se tornar deputado federal, Aral deixou para a cidade de Ponta Porã, um rastro de benefícios, admiradores e adversários (MAGALHÃES, 2011, p. 48):
[...] final da década de 1920 suas inclinações políticas começaram a lhe render grandes dores de cabeça, pois era sabidamente um liberal que não costumava mandar recados e que assumia publicamente suas opções ideológicas. (...) Ponta Porã era a segunda cidade mais populosa do estado (...) mas a riqueza gerada por tanta gente, fundamentalmente na atividade ervateira, não era reaplicada como deveria pelo poder situado no norte, o que colocava as duas regiões em atrito. Aral estaria entre os homens que não se conformavam (...) e lutaria como poucos para valorizar sua terra […].
Magalhães (2011, p.49) relata ainda que Ponta Porã, da época de Aral, estava passando por profundas transformações econômicas e acontecimentos político-sociais de relevo, tais como: passagem da coluna Prestes, Revolução de 32, as lutas comerciais em torno da erva-mate, a longa permanência e a posterior extinção da célebre Cia. Matte Laranjeira e a elevação da cidade a capital do Território Federal. Essa fronteira atraiu o olhar de Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, o príncipe D. Pedro de Orleans e Bragança e Assis Chateaubriand.
Enquanto tudo estava em efervescência, Aral Moreira ia, aos poucos, iniciando-se na política, pois se destacava como um jovem advogado com talentosa inteligência, vindo de uma família tradicional e respeitado pela constância e persistência de índole, impecável postura, exprimindo com desenvoltura sua capacidade de persuasão e com firmeza sua arte da eloquência. Todas essas qualidades levaram-no a assumir trabalhos de influência: prefeito substituto, promotor de justiça, subchefe de polícia, consultor jurídico do estado, conselheiro municipal e deputado na Assembleia Constituinte.
O tempo foi passando, os ânimos ficaram mais exaltados por causa do processo revolucionário separatista do Estado de MT e Aral foi um dos primeiros a tomar a frente, com o intuito de trazer progresso à região (MAGALHÃES, 2011, p. 69):
[...] Armou-se e partiu para o confronto. Durante os três meses de duração do conflito, os serviços postais, que já eram precários (...) pararam de funcionar. As notícias (...) deixavam as famílias sobressaltadas; as correspondências eram entregues em mãos, levadas por mensageiros de confiança montados em cavalos ou mulas; as poucas estradas que cortavam o sul se tornaram extremamente arriscadas [...].
Magalhães reproduz, nas páginas 69 a 85, fotos de bilhetes e cartas de Aral Moreira ao comandante político separatista, informando acerca de seus movimentos no combate contra as forças legalistas.
Uma das fotografias era cuidadosamente por ele guardada e estava anotado no seu verso apenas o nome de Luiz Pinto de Magalhães, gaúcho de São Luiz Gonzaga-RS, que chegou a Ponta Porã em 1900. Foi um dos mais tradicionais homens públicos de Ponta Porã – primeiro delegado (1913), juiz de direito substituto (1926), prefeito interino em três oportunidades e um grande amigo de Aral Moreira (MAGALHÃES, 2011, p. 95):
[...] Aral manteve excelentes relações com aquele sul-rio-grandense que admirava pela correção de atitudes e nobreza de caráter. O filho de Aral, Eraldo, ao relatar passagens de sua infância, relembra que costumava correr pelo quarteirão da antiga Rua Rio Grande do Sul, atual Presidente Vargas, vindo do escritório do pai para o casarão de Luiz Pinto, que se localizava onde hoje é o Centro Pastoral da Paróquia São José, na Avenida Brasil. Eraldo levava consigo documentos para o amigo do pai assinar ou analisar, pois Luiz Pinto Magalhães, pela longa experiência adquirida no trato da coisa pública em Ponta Porã, era um homem para ser ouvido [...].
Aral Moreira também foi fundador e diretor por muitos anos do jornal A Folha do Povo, onde travou lutas ásperas e defendeu sempre o bom nome e os interesses de Ponta Porã. Antes de surgir com A Folha do Povo, alguns intelectuais da terra imprimiram nos primeiros anos da década de 1930, como nos conta Magalhães (2011, p. 106):
[...] ‘Tagarella’ tabloide em formato ofício que teve entre seus colaboradores uma figura que marcou época na cidade, o poeta e intelectual baiano José Baraúna, casado com a ponta-poranense Loreta Badeca. (...) surgiu ‘A Mutuca’ que tinha o objetivo explícito de criar polêmica com seu rival mais velho. As disputas eram bem-humoradas (...) ambos não se prestavam às necessidades formais do município como órgãos formais para veicular publicidade de cartórios e prefeitura. Para suprir surgiram: O Sul, O Correio do Povo, A Folha do Povo e O Independente [...].
Aral era um político inquieto e precisava de espaço para seus feitos e atitudes que vinham ressoando pelo Estado gerando admiração, amizades e adversários. O semanário A Folha do Povo estava com dívidas, certo desinteresse de seus proprietários, rodando precariamente e sem licença obrigatória para sua divulgação. Aral entrou com processo de registro federal distribuindo-o para todo o Estado e para a Capital Federal. Fotos de algumas notícias, editoriais e reclames ilustram as folhas 111 a 117 (MAGALHÃES, 2011, p. 110):
[...] O estilo sério e direto que Aral imprimia a seus editoriais – que não tratavam apenas de política apaixonada, prestava-se, sobretudo a repercutir os interesses da sociedade fronteiriça – foi o principal fator a contribuir para a relativa longevidade do semanário. Por quase quatorze anos, Aral esteve à frente da empresa jornalística. Em 1946 a venderia para sócios da Companhia Mate Laranjeira [...].
No final dos anos 1930, a produção ervateira mato-grossense alcançava seu melhor momento, quando eram exportadas mais de dezesseis mil toneladas anuais de erva, fora o consumo interno. Consolidava-se como o negócio mais rentável do sul do Estado, superando a pecuária bovina. Em 1938 nasceu o Instituto Nacional do Mate, com sede do Rio de Janeiro; tinha caráter normativo e era administrado por uma Junta Deliberativa. Amadureceu-se a ideia das cooperativas; seu maior propagador foi Aral Moreira, quando já fazia publicar no jornal A Folha do Povo estudos sobre as vantagens do sistema cooperativista. Em 1940 foi fundada oficialmente a Cooperativa de Produtores de Mate de Ponta Porã. Aral fazia parte como produtor e diretor (MAGALHÃES, 2011, p. 125):
[...] Em fins de 1938 nasceu um sindicato de ervateiros (...); entretanto a iniciativa não obteve o registro do governo federal. Antes, em 1936, Aral idealizou um Consórcio de Produtores onde agregou gente influente e abastada da região, para sensibilizar os produtores de erva; lançava assim a semente da futura Cooperativa de Ponta Porã (...) Em 1944 (...) organizou-se em Ponta Porã, a Federação de Produtores de Mate Amambai Ltda., que passou a exercer também o papel de exportadora, tendo sido Aral Moreira, um dos seus representantes [...].
A Argentina recebia um incremento populacional impressionante: gente de várias partes do mundo lá aportava atraída pelas facilidades oferecidas para o plantio e replantio de variedades de erva-mate. O enfraquecimento das importações é assim informado (MAGALHÃES, 2011, p.126 e 127):
[...] A única nuvem que escurecia aquele horizonte promissor (...) era que um dia seu principal mercado comprador, a Argentina, de alguma forma viesse a enfraquecer ou que atingisse a autossuficiência produtiva, interrompendo as importações. (...) a Argentina cessou de vez suas importações. Sobraram estoques, o preço caiu, o mercado minguou; desde então a erva-mate, produto-símbolo da riqueza de uma época, passou a desempenhar um papel ainda viável no século XXI, mas ocupando um posto secundário […].
Aral Moreira encontrava tempo para tudo. Foi um dos fundadores do Aeroclube de Ponta Porã, pois Getúlio Vargas, logo após criar o Ministério da Aeronáutica, abraçou o projeto “Deem Asas para o Brasil”, uma campanha que visava à doação de aviões e recursos para a construção de aeroclubes por todo o país. Ponta Porã foi brindada com dois pequenos aviões.
Paralelamente à vida forense e a grande paixão política, não perdeu o gosto pela vida da campanha. A primeira aquisição rural foi um sítio, último espaço de floresta nativa dentro da cidade de Ponta Porã, servido por um córrego e por uma mata que foi preservada e ampliada pelo próprio Aral com replantio de inúmeras espécies de árvores típicas da região entre ornamentais e frutíferas. Mais tarde, seu filho Eraldo aumentou a área do bosque e, em 1976, transformou a área num hotel pousada, que ainda hoje é o predileto de muitos visitantes.

A DESPEDIDA DE ARAL MOREIRA
O advogado, empresário e político Aral Moreira, faleceu em 1952. Enquanto aguardava a cirurgia a que se submeteria no Hospital dos Servidores no Rio de Janeiro, escreveu a todos os amigos mais chegados; relembrou passagens, mandou algumas ordens, solicitou favores; mesclando brincadeiras com assuntos sérios. Sintetizou a história que viveu com cada um. Sua percepção de que alguma coisa poderia lhe suceder, é transcrito por Magalhães (2011, p. 146) num trecho de uma das cartas:
[...] Amigo Luiz Issa! Saúde e alegria. Escrevo-lhe do Hotel, digo, do Hospital onde me encontro internado fazendo diversos exames para depois ser ‘carneado’ pela barriga. Você me conhece e sabe que não sou impressionável (...) aguardo a hora H com serenidade. (...) Caso eu deixe vocês em paz, indo deste mundo para baixo da terra, voltando para o lugar de onde saímos, peço-lhe que tenha certeza da sinceridade da amizade que sempre lhe dediquei. Você foi um dos raros, ou para ser franco, raríssimos homens que me compreenderam, me honraram e foram sempre solidários e confiaram em minha atuação [...].

CONCLUSÃO
O presente artigo pretendeu abordar uma das bases da literatura que tem por finalidade mostrar a parte histórica de uma sociedade, a partir da visão do escritor Luiz Alfredo Marques Magalhães. Essa base histórica, informadora e formadora de novas mentes pensantes, afigura-se como base educacional, esclarecedora e intelectual da literatura. Com efeito, essa base da literatura, em tudo instrutiva, é a norma que provê a unidade da educação, do esclarecimento e da informação. Simultaneamente, com sua função de entretenimento, desempenha também a literatura a função histórico-cultural.
O reconhecimento da importância histórica nos fatos narrados no livro foi fruto de um estudo, de conhecimentos adquiridos, observação e análise, laboriosamente engendrado tendo como parâmetro o livro “Um Homem de Seu Tempo: Uma Biografia de Aral Moreira”, escrito por Luiz Alfredo Marques Magalhães. 
A série de ideias, a variedade de assuntos, a sucessão de teorias que se desfrutam na literatura, torna-a uma excelente atividade atrativa e uma dessas atividades é a biografia. Já se pode falar em preferências e desejos, colocando a biografia como superfonte da literatura, sobrepondo-se a livros de história, pois, em face de sua natureza, a biografia descreve a vida de alguém narrando as fases dessa pessoa interagindo com a sociedade da época.
Não se quer dizer aqui que exista o predomínio das biografias, mas sua importância, sim. Acompanhada da base histórica, pode-se alcançar a completa harmonia com a fiança da força de produzir resultados positivos. E sob esse prisma, a base histórica é a função que mais se utiliza a biografia para atingir seus fins. 
Assim, com essa linha de raciocínio, tem-se que a partir de vasta pesquisa e estudo, paralelamente à trajetória do biografado – Aral Moreira, Magalhães apresenta elementos importantes da paisagem social, econômica, cultural da região da fronteira, as lutas políticas, a influência de grandes empresas e a questão divisionista do Estado de Mato Grosso.
Contando a história de Aral Moreira, conta-se um pouco da história de Ponta Porã-MS.

REFERÊNCIAS
CHIAVENATO, Julio José. Genocídio americano: a guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1988.
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Um homem de seu tempo: uma biografia de Aral Moreira. Ponta Porã: Alvorada, 2011.
VILLANUEVA, Romildo. O inferno existe; eu estive nele. 3. ed. Ponta Porã: Borba, 2000.
VILLANUEVA, Romildo. Semblanza de la antigua Punta Porã. Ponta Porã: Cândia, 2001.

Nós, só nós

Pamela Lima
Itupeva, SP, Brasil
@: pamelaap.lima@gmail.com

Nós que não desatamos,
Nós que nos enlaçamos.
Nós que não sufocamos,
Nós que nos enroscamos.

Nós que nos atraímos,
Nós que nos distraímos.
Nós que nos prendíamos,
Nós que nos pertencíamos.

Nós que nos gostamos,
Nós que nos cuidamos.
Nós que nos apaixonamos,
Nós que talvez, um dia, amamos.

Se a virtualidade é máscara, o que mascara?

Maria Teresa Marins Freire
Curitiba, PR, Brasil
@: freire.mteresa@gmail.com

Pergunto-me se as pessoas utilizam a internet para ser o que não são. Alguém pode ser o que quiser, na virtualidade. E no anonimato, forja-se o interesse, falsifica-se as palavras, promete-se no vazio. A irrealidade é comprovada. Neste anonimato vale tudo. Vale esconder a verdadeira personalidade. Encobre-se vergonha, medo, falsidade, divertimento, desconsideração, desrespeito humano. 
Mas existe convivência virtual produtiva, festiva, inteligente, eficiente, consciente, resistente? Que cultua literatura, arte, intelecto, produções e ações? Que espaço é este, afinal, que nos prepara ciladas, que nos traz mensagens alvissareiras, que nos informa realisticamente, que nos dá notícias daqueles que estão ausentes, que nos faz sonhar, que nos deixa ler poesias, prosas de distantes autores, que nos permite mimar, dialogar, amar. 
Mais alguma coisa? Cada um pode me dizer isso.
Deparo-me com várias dessas situações frequentemente. A virtualidade vira espaço de convivência diária, relatam alguns. De envio de mensagens de bom dia, boa tarde, boa noite, carinhosas, amorosas, confessam outros. Ainda envergonhados, revelam que ficam radiantes quando chegam as frases. Prontas, já criadas, repetidas, desgastadas, despropositadas, mecanizadas. Nem expressam sentimentos reais. 
A convivência virtual alcança um nível de intimidade que às vezes não se realiza na presencialidade. Cria a expectativa do contato. A ansiedade prazerosa do som que anuncia a mensagem chegando. A troca de opiniões, pensamentos, visões de vida e futuro. O câmbio de sentimentos, de carências, de companhia, de beijos e abraços sentidos, mas não realizados. A conversa à vontade transforma o contato em diálogo de companheiros, de amigos. À vontade? Talvez porque seja na virtualidade. Este ‘estar à vontade’ se repetiria na presencialidade? 
E as conversas se estendem. Adensam-se. Os galanteios se oficializam. As brincadeiras alegram a conversa. Os trocadilhos dão uma pitada de graça. A sensualidade permeia as palavras, os textos pequenos, as imagens. A vista alcança o outro na tela do computador, na telinha do celular. Onde quer que esteja. E olhares se cruzam, mediados pelos aparelhos. 
E a pergunta surge: até que ponto a virtualidade substitui o contato pessoal? Muitos diriam que isto é impossível. Outros diriam que pode ser um complemento. Eu, anteriormente diria que não é o tipo de relacionamento ideal e que o contato virtual é para conversas eventuais, para substituir o contato telefônico, mas que não é base para manter um relacionamento, porque carece do afeto real, do sentimento percebido com os cinco sentidos, da presença. 
Hoje, eu diria diferente. Aliás, eu digo que o interesse de uma pessoa por outra também pode se sustentar com a virtualidade. Serve para tornar presente o que é distante. Quando há interesse verdadeiro não importa a distância. Alguns casos reais que ouvimos, que ficamos sabendo comprovam que o distanciamento pode ser físico, mas não afetivo. É o suficiente? Não, não acredito. Eu creio que precisa haver o contato físico, o olho no olho, as mãos dadas, o aconchego dos braços ao redor, o rir junto, o passear, o conversar em torno de uma mesa, o trocar ideias porque observaram algo juntos. Que não precisa ser todo dia. Mas que tenha presencialidade. Quanto tempo? Importa? Um dia, dois ou três dias. Não é a quantidade que define a qualidade. É a intensidade. 
Na virtualidade vale tudo, dizem muitos. A palavra mansa que acaricia, que aprecia, que elogia, que encanta, que cativa. Mas, que não tem este reflexo na realidade. Pode ser falsa, para distração, para galanteios ilusórios. Pode ser a projeção de algo que gostaria que fosse, mas que não pode ser porque as circunstâncias da vida, às vezes, não permitem. Pode ser verdadeira? E como comprovar se é verdadeira, se a distância os separa? No encontro pessoal? Então eu teria razão? O tempo de contato nos diria sobre a honestidade? A conversa de pouco tempo, de muito tempo, faria diferença? Lá do outro lado cada um faz o que quer, nem precisa contar ao outro. Lá do outro lado, pode ser rei ou mendigo. 
Se a virtualidade é máscara, o que mascara? A vontade de ser aquilo que não consegue ser, de fazer algo que se sente incapaz na realidade, de dizer algo que falta coragem dizer pessoalmente, de opinar por medo da reação, de discordar porque não tem coragem de fazê-lo ao vivo, de defender o que não consegue na frente de outros, de se expor, de se arriscar na vida real? Por que é cômodo? É possível fazer o contato quando se quer, quando se pode, quando outra atividade ou pessoa mais importante não lhe requer atenção. Quando está só e precisa de alguém para companhia. Quando não tem nenhum compromisso com a pessoa do outro lado do aparelho. Não importa se ela está bem ou não. Se está feliz ou não. Também dividem situações de vida. Alguns o fazem. Alguns são sinceros. Alguns verdadeiramente se sentem atraídos pela imagem, pela conversa, pela inteligência, sensibilidade, pela atitude, pelo jeito. Demonstrados, vislumbrados, caprichados, esperados.
Então, a virtualidade surgiu para esconder o que não se quer que o outro conheça? Para esconder o que não se quer que o outro saiba? Entenda? Acompanhe? Goste? Surgiu para facilitar os relacionamentos? Para propiciar um vínculo ideal quando a realidade não o é? Para iludir? Para enganar? Por pura distração? Há alguma sinceridade neste contato virtual? Tão popular e irregular, tão atraente e insistente, às vezes permanente, nem sempre coincidente, mas por todos conivente. 
Para aproximar? Ah! Quantos encontros realizados, quantas descobertas, quantas amizades, amores... Ah! Quantos amores nascem nesta virtualidade. Ah! Quantos desencontros acontecem nesta virtualidade! Quantos desamores se dissipam nesta virtualidade!
Mas, afinal outra questão surge: vale a pena a virtualidade? E você vai responder de acordo com o que ela lhe presenteia? Ou você será analítico, racional, objetivo e prático na sua resposta? Ou você poderá responder... Como você poderá responder?

Âmago (...)

Merlin Magiko
Luanda, Angola
@: sneeze84@yahoo.com.br

Ausente de mim,
Confinado no silêncio interior,
O que sobrou de nós amor!?
Se não a dor, um vazio sem fim...

Imagem caída,
Reflexo quebrado,
Sonho não acordado(...)

Ainda sinto...
Meu corpo vestido com o teu suor,
A sede de beber-te louca(mente),
Até ao brotar da flor(...)

Mas o silêncio calou-nos em nós,
Nos escombros da saudade,
Mas ainda ouço a voz...
A ilusão que não se cala por maldade,

O ego mutila quem somos,
Questiono-me, quem fomos...!?
Suscitam os nossos gemidos
Ecoam na minha alma,
A essência de lapidar-te

A tua ausência silencia-me
A saudade vicia-me,
Afoga-me no oceano dos sentimentos,
De(pressivo) dessa paixão com lamentos(...)

Inacabadas ilusões que surgem...
No âmago...
Ainda te ouço,
Quando te busco em consolo (...)

Bring me the disco king

Tim Soares
Florianópolis, SC, Brasil
@: tim_aloha@terra.com.br

Então eu danço.
Danço essa balada mambembe.
Danço com as ninfas,
com os ladrões e mentirosos.
Danço com os livres
e loucos
ao som do Rei do Disco
Danço essa sinfonia capenga
em dó sustenido.
Danço sob o manto escuro
da noite e sobre o chão
de um espelunca qualquer em Calexico.
Danço abastecido com o sagrado combustível do transe.
Danço com a paixão,
com o medo
e principalmente com a morte,
pois de frente com esta
todo mundo dança.

A mulher e a Psicanálise

Wildicleia de Oliveira Santos Lopes
Arapiraca, AL, Brasil
@: wildioliveiralopes@hotmail.com

A luta da mulher é algo muito recorrente. Parece que grita, fala e que nem sente! Mas que dor sai das entranhas e de um ventre que não quer gerar e que é obrigado a se calar para o Outro não lhe estranhar! Ou que quer viver em casa cuidando dos filhos, mas uma nova modalidade lhe diz que está ultrapassada, e que agora ela deve é ser cuidada. Que decide sair para trabalhar e ganhar muito mais, mas o homem não vai admitir ficar atrás! Que desde a infância passa por uma grande inconstância: “Será que é por aqui ou é por lá? A quem devo me endereçar? É preciso correr para alcançar a aprovação daquele que vai me completar, ele não pode me abandonar!”. É nesse trajeto que ela tende a caminhar. 
Quanta angustia vive na mente da mulher! Será que ela fala como uma tagarela porque ela quer? Será que aquele olhar que lhe prometia o mar, fez com que mergulhasse a ponto de naufragar? Criatura incompleta, sujeito da falta. A incompletude é tão angustiante que lhe maltrata. É preciso tamponar esse vazio, e quando alguém lhe provoca um arrepio parece que o problema está solucionado, o coração que pouco batia agora está acelerado. É o amor! Que em suas mais variadas vertentes lhe faz flutuar e achar que esqueceu tudo que tinha em mente. Até que o vazio lhe toma novamente. Tristeza, saudade, alegria.... Que sujeito para mudar de melodia! 
É complicado esse lugar! Quando será que ela vai se encontrar? Muitas vezes parece que as coisas lhe são impostas e que tem que acatar, como um acaso que faz sua vida definhar. Talvez ela precise deitar e fazer o que ela bem sabe que é falar! Falar suas inconstâncias, seus medos e devaneios. Dar as costas para a ideia de uma sociedade que apenas lhe coloca freios. Mas, ela pode deitar em qualquer lugar? Não, não! Ela precisa escolher um lugar especial, uma atitude talvez bem radical. Na verdade, pode até se sentir mal, mas com o tempo a coisa pode melhorar. Nada certo, porque garantia não há. 
Quem sabe ela tenha que conhecer algo apresentado há muitos anos atrás, Freud nessa descoberta foi bem perspicaz! Apresentou um caminho para o curioso inconsciente, foi a psicanálise que apresentou grandiosamente. Como uma pedra capaz de arrebentar corrente. Mas é preciso ter coragem para encarar o impacto que essa pedra vai se lançar. Não se sabe quantos estilhaços irão se espalhar. Coragem é preciso, não tem como negar, porque o trajeto é sinuoso e isso ela vai ter que encarar. Mas um ser que tem em sua história marcas de lutas e vitórias não vai se deixar amarelar. Ela é capaz de enfrentar o caminho do desconhecido! Porque por mais que ela não tenha percebido, muito mais doído que vasculhar um terreno na busca de se encontrar, é permanecer estagnado sem coragem de encarar o desejo enterrado naquele terreno que parecia estar abandonado. 

Psicóloga Clínica e Consultora Organizacional; Pós-Graduada em Clínica Psicanalítica.

Tutela Penal: uma necessidade contra o crime de biopirataria no Brasil

Bianca Marafiga
Dourados, MS, Brasil
@: biancamarafiga@hotmail.com

A biopirataria conceitua-se da apropriação não autorizada do patrimônio genético de uma região. Podendo englobar a exploração e o comercio ilegal de madeira, tráfico de animais e plantas silvestres. Um problema que assola os países biodiversos, inclusive o Brasil, que possui uma das maiores biodiversidades mundiais e populações tradicionais (indígenas e ribeirinhos) detentores de diversos conhecimentos tradicionais que aliados à biodiversidade atraem o interesse de nações desenvolvidas.
Embora a biopirataria seja uma prática decorrente desde a época colonial, foi a partir das últimas décadas que o tema vem alavancando discussões de cunho socioambientais mais significativos. Principalmente devido à evolução da biotecnologia e com isso a acessibilidade de registros relacionados às marcas e patentes de âmbito internacionais.
Desde os primórdios identifica-se que essa prática ilegal no Brasil está intimamente relacionada à fauna e/ou a flora. Como exemplo a extração do pau Brasil e o contrabando de sementes desde a época da colonização. Citaremos alguns dos principais casos de biopirataria no Brasil: 

I Exploração do Látex

Caso extremamente notório de exploração da biodiversidade, foi a extração do látex da seringueira, Hevea brasiliensi, e o contrabando de aproximadamente 70 mil sementes da espécie, que foram enviadas para a Inglaterra pelo inglês Henry Wickma – “pai” da Biopirataria. Tal atividade fez com que as colônias inglesas tornassem-se as maiores produtoras de látex do mundo no início do século passado. Este caso não foi considerado como roubo, pois o “naturalista” obteve autorização legal do governo brasileiro para exportar as sementes. 

II Exploração da Espinheira Santa

A Espinheira Santa é nativa da América do Sul, e no Brasil, pode ser encontrada entre os estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A planta foi matéria de vários estudos científicos, sendo muito conhecida na medicina popular brasileira por seu caráter terapêutico. Principalmente no que diz respeito aos males do aparelho digestivo, tal como a úlcera, e pode ser utilizada também como remédio antitumoral. 
Os benefícios da Espinheira Santa foram apontados a partir de uma pesquisa realizada na Faculdade de Medicina do Paraná, onde o professor Aluízio França obteve êxito no tratamento da úlcera. A UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) buscou deixar mais restrita a pesquisa sobre a erva, comandada pelo professor Elisaldo Carlini, desde 1980. Entretanto, no ano de 1977, a partir de dados publicados pela CEME (Central de Medicamentos), do Ministério da Saúde, no “Journal of Ethnopharmacology”, provocou interesse em uma indústria japonesa, Nippon Mektron, que patenteou o produto, antecipando-se assim da Universidade, que só entrou com solicitação de patenteamento em 1999. (UNIVERSIA, 2003).

III Exploração Cupuaçu

O cupuaçu é uma árvore que está na mesma família do Cacau, podendo medir até 20 metros de altura. Na Amazônia, a fruta foi uma fonte primária de sustento para os povos indígenas e animais. O Cupuaçu tornou-se conhecido por sua polpa cremosa e de sabor exótico, usada em todo Brasil para fazer sucos, geleias, tortas e sorvete. A exploração do Cupuaçu pode ser considerada a mais popular sobre a biopirataria. Foi registrada pela empresa japonesa Asahi Foods, na qual houve o registro da marca cupuaçu, e também solicitação para patentear os processos que envolviam a fabricação do chocolate, a partir do cupuaçu, denominado “cupulate”. Tal procedimento não considerou que o processo de fabricação já havia sido solicitado pela Embrapa, junto ao INPI, em 1996, desconsiderando totalmente o fato do uso tradicional pelos povos da Amazônia. (DURAN, 2011).

IV Exploração da Fauna

A Jararaca (Bothrops jararaca) A jararaca é muito comumente encontrada no sudeste do Brasil, ocupando territórios de planícies e florestas e nutrindo-se de pequenos roedores. O veneno desta jararaca é consideravelmente esfacelador e coagulante, porém um pesquisador brasileiro, chamado Sérgio Ferreira, professor da faculdade de medicina de Ribeirão Preto, encontrou nele uma substância para moderar a hipertensão, o Captopril. Porém, o professor não possuía recursos suficientes para desenvolver a pesquisa, sendo assim, aceitou então receber ajuda do laboratório Bristol-Myers Squibb, nos Estados Unidos, que registrou a substância contrapressão alta antes do brasileiro (autor da descoberta), gerando um lucro aproximado de US$ 2,5 bilhões de dólares ao laboratório, obrigando assim, com que o Brasil pague royaltes à empresa caso queira usufruir da substância. (GEACE, 2010).
A biopirataria pode ocorrer das mais diversas formas, como por exemplo, através de pesquisadores disfarçados de turistas, estudantes, falsos missionários ou ONGs de fachada. O “trabalho” torna-se ainda mais facilitado, pois estamos na era da biotecnologia, na qual tudo o que se precisa para reproduzir uma espécie, são algumas
Células. Estas por sua vez, podem ser facilmente ser levadas e dificilmente detectadas, por mecanismos de vigilância e segurança. 
Observando as riquezas existentes em nossos biomas, pode-se perceber os inúmeros motivos de nosso país ser tão atrativo para os países desenvolvidos. Uma vez que estes possuem condições, de recursos e incentivos para desenvolver novas tecnologias, vende-las e patenteá-las, corroborando a apropriação privada da nossa biodiversidade.
Infelizmente o Código Penal Brasileiro, nem a legislação penal que trata de crimes ambientais abordam essa questão específica, na qual não tipifica a biopirataria como crime. A Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998, em seu art. 25, trata de crimes ambientais, porém a biopirataria não é considerada um crime ambiental. Vale ressaltar que havia um projeto no Congresso Nacional para a inserção da biopirataria como crime nesta mesma lei, na qual foi vetado.
Neste sentido, a proteção da Biodiversidade é emergencial tendo em vista informes no sentido de que a quase totalidade de investimentos na indústria farmacêutica concentra-se em poucos países detentores de capitais, infraestrutura e com matéria-prima formada predominantemente por recursos genéticos obtidos no Brasil.
 O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) é legalmente responsável pela gestão do uso de quaisquer espécies com viabilidade econômica. Porém no que tange à Biopirataria, foi criada no IBAMA a Divisão de Controle da Fiscalização e Acesso ao Patrimônio Genético, na qual pretende-se que o desenvolvimento biotecnológico seja revertido em prol das populações tradicionais e indígenas, bem como, programas de incentivo ao combate da Biopirataria. Por outro lado, a Divisão de Propriedade Intelectual no Ministério das Relações Exteriores, atuante diretamente junto aos demais governos e empresas que patentearam produtos e contratam advogados numa tentativa de repatriar esses direitos. Destaca-se também o trabalho do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que em hipótese de envio de material para o exterior, impõe aos dirigentes das instituições brasileiras e estrangeiras firmarem “Termo de Compromisso: Exclusividade e Patente”, na qual compromete-se a utilização das amostras exclusivamente com finalidade de estudo. Portanto se a consultoria científica do CNPq considerar que a pesquisa impulsionará posterior bioprospecção, o projeto será enviado ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para a obtenção da respectiva autorização. 
Mesmo diante destas medidas preventivas citadas acima, as previdências, ainda são insuficientes e interessa apontar, todavia, a resistência dos países mais desenvolvidos. 
Pelas entrelinhas da obscuridade, podemos enxergar a biopirataria como uma “nova colonização” dos países desenvolvidos. Isto porque o Brasil ainda sofre com a carência de fiscalização, falta de conhecimento sobre a biodiversidade, a pouca quantidade de pesquisadores na área e ausência de investimentos em ciência e tecnologia, quando comparada aos países desenvolvidos.
Face a essa problemática que assola nosso país, destaca-se a necessidade de tutela jurídica sobre o crime de biopirataria, pois sem ela haverá diretamente e/ou indiretamente a violação de outros direitos. Sendo assim, tutelar o meio ambiente é não somente garantir a qualidade de vida em nosso planeta, mas garantir minimamente a justiça diante de nossas descobertas científicas e os nossos direitos sobre as mesmas.

* Bióloga
Especialista em Educação e Gestão Ambiental
Mestre em Biologia Geral/Bioprospecção

Duas lágrimas

Ana Almeida Zaher
Araçatuba, SP, Brasil
@: hoane10@hotmail.com

Derramei duas lágrimas.
Duas lágrimas derramei.
Cheguei procurando...
Não vi você!

Derramei duas lágrimas.
Duas lágrimas derramei
Meus olhos percorreram...
A multidão, em vão.

Derramei duas lágrimas
Duas lágrimas derramei
Assistindo a uma peça de teatro
Que retratava uma história de amor.

Derramei duas lágrimas
Lembrei-me do quanto estou feliz!
Vivenciei naquele palco
Nossa realidade!
Apaixonados!

Derramei duas lágrimas
Todos choraram
Duas lágrimas derramei
Uma de emoção
Outra... Saudade de você.

Do alto (para Manoel de Barros)

Elias Borges
Campo Grande, MS, Brasil
@: elias_borgess@hotmail.com

Seu canto
conjuga
verbos inexistentes.
Pacifica arcaísmos,
neologismos...
Entende
na soma
do que escreve
desafio constante:
viver no alto do mastro.
Seu passo,
a um instante
de quem sempre
se arrisca.
Se errar,
não há rede
para o descuido.
Ninguém com
quem reclamar.

O gênio incompreendido

Kamba Kabeto
Luanda, Angola
@: alberto.kabeto@gmail.com

Vivo fora do espaço, do tempo
Eu e mais eu, de mãos dadas com o vento
Ora deito lágrimas, ora solto gargalhos
Amo estar no serviço, odeio fazer trabalhos

Pensamentos deixam a cabeça pesada
Na minha boca mora uma
multidão de palavras
Quero livrar-me delas, não pagam renda
Saem quando querem,
desobedecem a minha regra

Estou embriagado de raiva, farto com o fardo
Cansado de andar na estrada
que me leva ao nada
Amo a vida, mas a morte me deixa excitado
Sou eu o palhaço deste circo,
por favor, dêm risadas!

Elas me acham esquisito,
eles dizem que sou demente
O mundo detesta gente diferente
Tudo bem, alegrem-se,
festejem quando eu partir
Porém saibam, eu jamais desejei ficar aqui.

Sussurros da noite

Samuel Pedral
Nossa Senhora da Glória, SE, Brasil
@: samuelpd1@hotmail.com

Mil e uma estrelas e uma lua
Acoita os mistérios
E desperta os errantes

Intervalo permissivo
Entre o crepúsculo e a alvorada,
O repouso do dia!

Insônia e deleite
Ingratidão e refúgio

Êxtase...
Para os lunáticos
Para os astrônomos
Para as prostitutas
E para os poetas.

Espelho de Cristal

Leunira Batista Santos Sousa
Nossa Senhora da Glória, SE, Brasil
@: leunira.batista@hotmail.com

Sonho de cristal sobrepuja estrela
Com face transparente na rocha do tempo
Mar cristalino revolto em versos
Cruza oceanos em embarcação bela.

Mineral que a essência cintila
Explode em ondas sonoras
A nitidez do rio que o homem navega
Coberto com o véu que a natureza carrega.

Oriunda taça da felicidade
Que pousa no céu azul
O mundo em cartão postal
No anverso e reverso reflete o cristal.

Negação

Aliel Selet
Aracaju, SE, Brasil
@: aliel_teles@hotmail.com

Da vaidade ao desinvestimento
Das convicções o achismo
Motricidade e psique a ruir...

Desejos obnubilados e
Motivação estática ressonam
Dor de não vida pulsante

Angústia atroz reverbera
Cientificismo trafega
No mar amargo de conjecturas.

Mercado revelado

Evelyn Renard da Silva Nunes
Aracaju, SE, Brasil
@: vinha_as@yahoo.com.br

Chovia, chovia sem parar
Em meio aquelas ladeiras
Crianças....
Crianças que subiam e desciam
Roupas molhadas, cabelos encharcados
Em seus rostos a imagem da subsistência
Em meio à multidão, um carrinho
de mão os identificavam
Um, dois, três, quatro....
Pensava, como aborda-los em
meio aos seus rápidos passos,
em buscas de um trocado?
E assim, as horas se passaram, uma pequena caderneta, uma caneta, e rabiscos
de umas histórias de vidas.
Sai do mercado, com uma certeza,
que já não seria mais a mesma!
ECA, trabalho insalubre, Direito,
o que falta de fato para resolver esse dilema?

Oração pelo menino Jesus

Lúcia Morais
Luanda, Angola
@: luciamorais89@hotmail.com

Querido Deus....

A mamã disse que nesse natal
Seu filho Jesus vai nascer
E nós vamos fazer uma ceia real

 Fico triste porque esse mundo está tão mal
Mas os adultos parecem que não querem ver
Vivem um dia após o outro e tudo é normal

Tenho uma dúvida Senhor, onde ele vai viver?
É minha preocupação e do resto das crianças
Achamos que ele merece um mundo melhor

Sabes como o vão receber?
 Pelo mundo terá muitas festanças
Mas na verdade o que ele precisa é amor

Neste mundo seu filho vai sofrer tanto
E se ele se tornar amargo, deixar de ser santo?
Santa Maria por favor o proteja em seu manto

O papai disse para não me preocupar
Porque na verdade Jesus vai nascer
em cada coração
O que só triplica a minha preocupação
Os corações hoje são impuros e
incapazes de amar...

Se o Papai do Céu tocar seus corações,
eles podem mudar
Eu sei que observa e olha por nós
numa grande televisão
Mas está na hora de se envolver mais,
livre arbítrio é pura ilusão
Não sei bem o que significa,
mas só tenho em ti para confiar...

Amém...

Suicídio

Dina Alenquer
Vila Franca de Xira, Portugal
@: dina.alenquer@gmail.com

Alma; olhos de ver
Vibratório elemento de um constante pensamento
Aparentemente redundante
Pontos de entendimento
Ligações profundas
Ambientes truncados
Complementos directos e abreviados
Concisos e concretos
Directos à alma e a Deus.
O que te parece?
Ensaios de futuro
Notícias de passado que já se conhece
Recursos não materiais, por exemplo,
génios musicais.
Bandas de música que dão afinadas orquestras
Movimentos harmónicos de sons
têm os seus maestros.
Esta é a chave do teu futuro.
Ciência em tudo que é mundo.
Padecimentos rasteiram o pensamento
Nada é superior a este sentimento.
Só Deus. Depois, caem a barreiras
Mesmo as artificiais
Sobram as mágoas para o derradeiro fim.
Tão forte e tão verdadeiro que,
De verdade nada se sabe.
Vive de ser aquilo que quer
Contém a sua própria razão
A sua discussão é toda uma vida.
Efémero estatuto de estar neste mundo.
Sentimentos agrupam-se em classes diferentes
Todos são do mesmo modo,
Não obstante o que se sente.
Um claro epíteto de vida de conteúdo escasso por ser escasso.
Palavras de circunstância revêm a sua evidência.
Nada a dizer.
Falsos,
Falsos, mas verdadeiramente falsos,
Poéticas fantasias.
Palavras sem mais conteúdo, é tudo o que resta no fim.
Tudo foi!
Nada vale
Nada é nada.
E o agora é agora!
Universal campanha
Comprovadamente verdade,
O agora é agora.
Por mais que se conheça ou não conheça o mundo, o agora é agora.
Não penses que os castelos sempre existiram.
Sonhos que foram de outros
São hoje ruínas e motivos de sonhos de amanhã.
A cidade pode ser um castelo
Mesmo sem pedras, e sem torres de vigia.
Castelos que acalentam sonhos,
E todos somos um castelo que
anda pelas cidades que queremos.
Idiossincraticamente somos
castelos em todos os lugares.
A revolução é sermos castelos, sem muros e sem pedras.
Suspensos apenas pelos anjos ou míticos anjos.
Deus! Com tudo Deus!
Sem Deus. Deus!
E o resto é silêncio.

(Inspirado no romance “E o Resto é Silêncio”, de Érico Veríssimo)

Liberdade do poeta

Varenka de Fátima Araújo
Salvador, BA, Brasil
@: venkadefatima@hotmail.com

Ó tu liberdade
Os abutres, horripilantes lobos
Levaram para outros ares
No meu canto, inspira cheiro de bifes
Entrando neles cortes
com palavras em escarlates
Vem à modesta morada do
poeta que expelem letras
Galgam por seus esforços
por todos os cantos
Com festivais de trovas,
poesias, poemas, sonetos
Maleáveis com firmeza em reflexões,
prosa ou versos
Eles habitam na divindade, merecedores
Haja paz, haja alegria, haja harmonia
Como o poeta das flores com vigor
Com garbo primor, serão eternos
No álbum do vate, um livro com liberdade.

O chatólogo Figueiredo

Cahoni Chufalo
Mogi das Cruzes, SP, Brasil
@: cahoni@gmail.com

No início de seu famoso Discurso ao Método, Descartes diz ser o bom senso a coisa do mundo melhor partilhada. Isso porque ninguém julgava não possuí-lo, ou possuí-lo em falta ou em demasia. Da chatice poderíamos dizer o mesmo, mas pelo motivo inverso: ninguém julga possuí-la. No entanto, a experiência de qualquer indivíduo acordado demonstra que ela existe, é palpável, perceptível, amplamente disseminada, absolutamente democrática. Aparece em qualquer lugar, tempo, pessoa, objeto. Assim, embora ninguém assuma ser portador de tal moléstia, devemos concluir que a chatice é a coisa mais bem partilhada do mundo, muito mais do que o bom senso, quase raridade. Não é de se estranhar, então, que patologia tão onipresente se transforme em objeto de estudo.
Não sei se Guilherme Figueiredo foi o inventor da Chatologia. Seu Tratado Geral dos Chatos (1962) dá, entretanto, uma bela contribuição à matéria. Seria ciência? Dificilmente. O objeto é esquivo e bastante subjetivo. Basta pensar que aquilo que me chateia pode alegrar um outro. Ou aquele que acho chato pode ser chateado por alguém que acho não-chato. Não decorre daí, da dificuldade da matéria, que devemos virar as costas ao esforço do autor. Sua tentativa de definição e classificação do chato é de inegável valor. Não identificamos rapidamente o tipo chato-postulante, sempre a pedir algo a alguém, ou o chato-confidencial, sempre a contar uma nova fofoca imperdível agarrado aos colarinhos alheios? Outro vivo observador do comportamento humano (ou seja, comportamento do chato), Millôr Fernandes, tem uma definição do chato que se encaixa exatamente no tipo chato-confidencial. Diz ele que o chato é “o sujeito que tem um uísque numa mão e nossa lapela na outra”. Será que a coincidência dessas observações pode abrir caminho para um estudo mais objetivo dos chatos? O futuro das pesquisas nos dirá. O que fica claro é que o chato é gregário. Com a exceção, claro, do chato-de-si-mesmo.
O chato é gregário. Precisa do outro. Imaginem quantas novas classificações nosso especialista não faria nesses tempos de plena interconectividade? Guilherme Fiqueiredo morreu em 1997. Não pôde ver e analisar a chatice produzida, amplificada e globalmente disseminada graças à internet e às redes sociais. Pois a tecnologia encurta as distâncias. Aumenta, entretanto, o raio de ação do chato. O chato não mais precisa sair de casa para espalhar sua chatice. Ela nos chega de tempos em tempos, apitando ou vibrando nossos smartphones. E como a internet, especialmente as redes sociais, é um espelho do ser humano, temos todo o espectro da chatice humana (e mais alguns) sob a forma virtual. Temos o pacifista, o revolucionário, o militante, o ecologista, o engajado de Facebook; temos o intelectual, o filósofo, o sociólogo, o economista, o cientista, o matemático de Facebook; temos os polemistas, os catequéticos, os cientistas políticos, críticos literário-plástico-cinematográficos de Facebook; temos os místicos, os religiosos, os ateus, os otimistas, os pessimistas, os bom-vivants, os miseráveis de Facebook; temos os humoristas, artistas, narcisistas, jornalistas, humanistas, vanguardistas, tradicionalistas, carentes, revoltados, terroristas, puxa-sacos, machões e feministas de Facebook; temos aqueles que são uma mistura de alguns desses predicados e de outros não citados; e temos os casos extremos, aqueles que são tudo isso e mais um pouco. No Facebook, claro. A democracia digital permite que cada um de nós seja aquilo que diz ser. Ou quer ser. Ou, linguisticamente falando, se enuncia como sendo. A internet nos metamorfoseia. Geralmente, para pior. E toda essa vasta gama de personagens e informações que nos chegam todos os dias, bem ali na palma de nossas mãos, serve apenas para uma coisa: nos chatear.
A esfera da chateação virtual tem uma vantagem: pode ser abrandada. Com um pouco de coragem e autodomínio você poderá exclamar: hoje eu não entrei na internet; hoje não chequei meus e-mails nem entrei no Facebook; hoje, só por hoje, não fui virtualmente chateado nem chateei ninguém. A atitude nem sempre é fácil. Um dos vícios contemporâneos é justamente o vício da internet. E vícios são, justamente, a passagem do prazeroso à chatice. O viciado precisa de um esforço maior para curar-se do mal. E se tem a sorte de curar-se, continua a mercê das chatices habituais, diárias e nada virtuais de sempre.
O ônibus que não passa no horário; o chato-ofertante do telemarketing; o garçom simpaticão ou ultra grosseiro; as chatices causadas porque tinha um celular no meio do caminho (você conversando com alguém tête-à-tête que está conversando com alguém tête-a texto; alguém que quer mostrar um vídeo de oito minutos e meio que acabou de receber; etc.); os problemas do trem; os problemas do metrô; o chato-conselheiro, que aconselha sem ser pedido; o chato-reclamão, que vê os outros como um grande ouvido; o chato-patrão, naturalmente chato; o chato-artista (não o artista-chato), que espalha sua chatice em algo que ele diz ser arte; o chato...o chato...o chato...a chatice.
Há, porém, uma questão que o nosso chatólogo Figueiredo não se coloca: será que a chatice tem um lado positivo? Esse é o ponto levantado pelo cronista português Miguel Esteves Cardoso. Seu exemplo é a cultura. Diz ele: “Ora, quem sabe, sabe que a cultura, a verdadeira cultura, é efectivamente chata. (...) Seca, morosa, difícil, exigente, chata para morrer. Chata e boa. E ainda bem”!
Embora a palavra cultura carregue geralmente significados positivos (é bom ser culto, conhecer coisas, entrar em contato com novas, etc.), o problema está em que tornar-se culto é, muitas vezes, uma chatice. Para mascarar essa chatice, diz-se que a cultura é participativa, comunicativa, popular, relacional, generosa, alegre. Junte-se um bando de gente em um lugar qualquer, coloque-se um DJ, um grafiteiro, quem sabe uma performance ou uma expressão de cultura popular (capoeira, jongo, maracatu, sambinha), toneladas de cerveja e pronto: tem-se um evento cultural. O problema é que essa cultura nada tem a ver com aquela outra, mais alta, e que demanda tempo, solidão, paciência. Adquirir cultura é tarefa exigente, nem sempre consoladora, às vezes, angustiante. Há recompensa em algum lugar do processo? Quem sabe? O fato é que estudar, conhecer, ampliar e aprofundar ideias, é chato. A cultura é chata. Maravilhosamente chata. Porém, dizê-la chata é um jeito de nos defendermos dela. É uma boa desculpa para deixá-la de lado. Se é chata, por que gastar meu tempo com ela? Previne-se assim o contato com qualquer experiência mais árdua. Por outro lado, será inevitável que o homem (ou mulher) de cultura seja sempre um chato? Será por isso que Guilherme Fiqueiredo diz que “a erudição exaustiva é uma das formas sob as quais se apresenta um chato”?
O tema, como se vê, é vastíssimo. A chatice é chata, mas pode, paradoxal e dialeticamente, ser recompensadora em alguns casos. A investigação da matéria deve ser individual e diária. O que me chateia? A quem eu chateio, e por quê? Será que estou usando a chatice defensivamente, para não ter de lidar com algo que pode ser excessivamente árduo? Será que estou temendo tanto a chatice alheia que acabo num isolamento gelidamente chato? Muitas questões e reflexões a serem feitas. Mas paro por aqui. O texto já vai longo e nada mais chato do que ler resenhas enormes, quase em disputa com o próprio livro. Um último registro: quem quiser passar algumas horas não-chatas, que leia esse belo livrinho de Guilherme Figueiredo. Ele é infinitamente menos chato do que essa longa resenha de mais um desses resenhistas-que-acham-que-sabem-do-que-falam.